sexta-feira, 15 de agosto de 2008

sábado, 9 de agosto de 2008

Heloise Albuquerque

Myspace Comments, Glitter Graphics at GlitterYourWay.com

Myspace Layouts

O posicionamento do professor alfabetizador e suas conseqüências

Prof. Ms. Joana Maria Rodrigues Di Santo

Após as pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky sobre a psicogênese da língua escrita, ficou claro que a capacidade de ler e escrever não depende exclusivamente da habilidade que o alfabetizando apresente de “somar pedaços de escrita”, e sim, antes disso, de compreender como funciona a estrutura da língua e a forma como é utilizada na sociedade.
Magda Soares diz que, num sentido amplo, o que poderíamos chamar de acesso ao mundo da escrita é o processo de um sujeito entrar nesse mundo, o que ocorre basicamente por duas vias: uma, por meio do aprendizado de uma técnica, ou seja, quando o educando aprende a ler e a escrever relacionando sons com letras, fonemas com grafemas, para codificar e decodificar. Esta via prioriza o domínio do código convencional da leitura e da escrita, com base na teoria empirista, que historicamente é a que mais tem influenciado as representações sobre o ato de ensinar e o de aprender, expressando-se em um modelo de aprendizagem conhecido como de “estímulo-resposta”.
Decorrentes da proposta didática de alfabetização por meio da aquisição de uma técnica (tradicional), estão concepções como a de que ler é aprender a identificar letras, sílabas, palavras e frases para depois conseguir decifrar curtos e simples textos escolares específicos; ler, no período da alfabetização, consiste em codificar e decodificar letras e sons; o aluno só consegue ler depois de dominar a técnica da leitura e da escrita, quando, então, passa a ter contato com textos reais e com a linguagem utilizada cotidianamente; o alfabetizando precisa memorizar e fixar informações, das mais simples para as mais complexas, que se vão sobrepondo e acumulando na composição das palavras, que têm um fim em si mesmas; o planejamento não precisa ser flexível, podendo o professor utilizar o mesmo em todos os anos e em qualquer classe, que deve ser homogênea para facilitar o trabalho do docente, detentor do conhecimento, que corrige rigorosamente todas as atividades, a fim de evitar que o erro seja fixado.
Isso pode ser constatado através das tradicionais cartilhas, que na grande maioria utilizam a silabação, embora proclamem lançar mão do método misto. Partem da memorização das vogais, que se combinam com cada consoante, no estudo das famílias silábicas. Tais instrumentos enfatizam uma concepção de língua escrita como transcrição da fala, apresentando textos construídos com a finalidade de tornar clara essa relação.
Ao alfabetizar o aluno com embasamento no método tradicional, valoriza-se o produto final do ato de ler e escrever, entendendo-o como decorrente da aquisição de habilidades como, aprender a técnica, desenvolver a coordenação motora, discriminação visual, o uso de lápis, do papel, etc. , o que gera ênfase primordial na automação da escrita para, numa segunda etapa, voltar-se para a compreensão ou interpretação do texto, em detrimento ao processo de construção da língua escrita pelos alunos. É centrado no professor e valoriza a cópia, podendo conduzir muitos alunos ao analfabetismo funcional.
Neste processo, é prioridade a mecanização e memorização da escrita, caracterizando crianças que realizam somente a codificação e/ou a decodificação das sílabas mais trabalhadas em sala de aula e não são capazes de construir novas palavras a partir destas mesmas sílabas, nem de utilizá-las em textos diversos. Tal abordagem vê a língua como pura fonologia, apresentando à criança textos não estruturados, que não passam de um agregado de palavras desconectadas, sem coerência e coesão. Dessa forma, podem até reconhecer essas sílabas e palavras-chave exaustivamente repetidas em sala de aula, mas não conseguem formar novas palavras juntando tais sílabas, nem escrever frases contextualizadas com essas palavras.
Com freqüência, muitas crianças decoram todo o alfabeto, mas não conseguem ler sílaba nem palavra; sílabas que, por ventura, conseguiram decorar para leitura não conseguem escrever no ditado, nem reconhecer em outros contextos; podem, até, conseguir fazer cópias, mas não conseguem escrever as mesmas palavras quando são ditadas.
São as crianças copistas, que sofrem muito com sua própria situação. Há as que escrevem precariamente algumas palavras-chave e famílias silábicas, usadas exaustivamente, mas não lêem.
E como são muito cobradas, tendem a desenvolver baixa auto-estima e alguns bloqueios, pois adentram à escola com muitas expectativas, que não são correspondidas, o que pode levá-las a se sentirem desmotivadas, principalmente em função dos exercícios descontextualizados e da cobrança da memorização. com o que fica-lhes muito mais difícil alfabetizar-se.
Com o método sintético, a criança é um aprendiz que vai juntando informações; que aprende uma família silábica após a outra se supondo que, em dado momento no decorrer desse caminho, tenha um insight e compreenda a relação entre todas essas sílabas, fazendo uma síntese a partir de uma determinada quantidade de informações. Pode aprender a escrever, porém não a expressar-se com desinibição e espontaneidade, pois, inclusive pela falta de contextualização, sua visão de mundo tende a limitar-se ao discurso escolar; é como se a leitura e a escrita fossem atividades restritas ao ambiente escolar: lêem e escrevem as palavras que o professor ensina. A criança é levada a construir seu conhecimento da língua escrita em um sistema gráfico de representação da linguagem oral, e faz do ato de ler e escrever apenas uma codificação e decodificação. É uma alfabetização artificial e mecânica dificultando a sua compreensão, pois não tem a ver com tudo que vivencia em seu cotidiano: o educando faz cópias de conteúdos não contextualizados e sem significado para a sua vida.
A outra via, construtivista, consiste em desenvolver as práticas de uso da língua escrita, considerando que não adianta aprender uma técnica e não saber usá-la. Os dois processos devem ser simultâneos e interdependentes, pois aprender a técnica da leitura e da escrita não é pré-requisito para utilizar tais capacidades nas atividades cotidianas.
O alfabetizador que atua com postura construtivista valoriza um ambiente alfabetizador, que facilite a interação do educando com os mais diversos tipos de textos, dentro de um clima de liberdade para participar das propostas e construir o ato de ler e de escrever. Considera que ler é atribuir significado, o que ocorre pelo uso de estratégias de leitura (de decodificação, seleção, antecipação, inferência e verificação) a partir do conhecimento prévio e dos índices fornecidos pelo texto.
Procura trazer para a sala de aula tudo que possa motivar a criança, despertar sua curiosidade e o desejo de ler, utilizando a decodificação possível naquele momento, como identificar a letra inicial, final ou as intermediárias para antecipar o significado da escrita de, por exemplo, painéis contextualizados, receitas, rótulos de produtos bem conhecidos, que auxiliarão na produção de textos individuais e coletivos, pois considera que é possível ler quando ainda não se sabe ler convencionalmente, e que é dessa forma que se pode aprender, tratando os alunos como leitores, desde sua entrada na escola.
Nas oportunidades de interação com textos reais, mesmo sem saber ler convencionalmente, os alunos poderão questionar, explorar e confrontar suas hipóteses, registrando suas próprias escritas. A correspondência letra-som é um conteúdo fundamental, mas apenas um dos inúmeros conteúdos que a criança precisa, necessariamente, dominar na aquisição progressiva da linguagem escrita.
Considera-se a alfabetização uma parte constituinte da prática da leitura e da escrita, onde, na interação com os textos, a criança constrói o seu conhecimento, as hipóteses a respeito da escrita e, dessa forma, progressivamente aprende a ler e a escrever, compreendendo as relações que existem entre fonemas e grafemas, codificando e decodificando, pois a alfabetização acontece como resultado da reflexão sobre as características e regularidades da escrita, sendo a palavra um meio para isso.
O construtivismo coloca em evidência as hipóteses que as crianças formulam, testam, reorganizam, assimilam, acomodam e formam novas hipóteses até adquirirem a forma convencional da língua escrita. Há uma leitura seqüencial com conteúdo significativo, de modo que a criança vê a escrita como um objeto social. A proposta construtivista busca uma alfabetização com compreensão, construída pouco a pouco, respeitando a compreensão dos meios que a criança utiliza para representar a construção do seu conhecimento sobre a língua escrita. Deixa o aluno livre para criar suas próprias hipóteses, valorizando-o como construtor do seu conhecimento e sujeito de sua aprendizagem. Para tanto, o planejamento deve ser elaborado em função de uma classe real, necessitando de retomadas e reorganizações, não podendo ser reutilizado na íntegra, de um ano para outro e de uma classe para outra , pois estas devem ser heterogêneas, sendo benéfico para os alunos interagirem com colegas de diferentes níveis de conhecimento, o que favorece o trabalho do professor, uma vez que, quando os alunos aprendem uns com os outros, o educador tem maior liberação para atender os educandos mais necessitados de sua intervenção pedagógica.
Repetindo, tais diferenças ficam evidentes, sobretudo porque, para o método tradicional, todos aprendem da mesma forma, em classes homogêneas, descartando os conhecimentos prévios que a criança trouxe de seu ambiente social. Ela é ensinada mecanicamente, utilizando-se de sua memória sem lhe dar oportunidade de pensar sobre a escrita e construí-la. Já numa abordagem construtivista, todo processo de elaboração é respeitado e é a partir dele que o professor vai estimular e intervir para que o aluno se desenvolva e se aproprie da leitura e da escrita. Nesse processo, são apresentados à criança diversos textos que irão auxiliá-la, e ela será capaz de produzir narrativas e demais textos que não são apenas frases soltas, justapostas, mas que terão um sentido e uma ligação entre si. Percebe-se que o aluno consegue realmente escrever uma história com princípio, meio e fim, rica de vocabulário e imaginação. Neste caso, a criança foi estimulada diariamente em sala de aula, com textos elaborados.
O professor construtivista acredita que cada aluno aprende no seu tempo e de acordo com suas diferenças. Isso o estimula a ser mais dinâmico, procurando sempre diversificar sua ação pedagógica para atender todas as diferenças. Embasado pela teoria construtivista, o professor criará situações que possibilitem aos alunos a vivência dos usos sociais que se faz da escrita, possibilitando-lhes ouvir a leitura e atentar às características dos diferentes gêneros textuais, bem como a linguagem compatível com diferentes contextos comunicativos, participando de situações sociais nas quais os textos reais são utilizados, pensando sobre seus usos, características e funcionamento, além do sistema alfabético, pelo qual a língua é grafada.
Assim, acreditar que o que mobiliza a aprendizagem é o esforço do sujeito com vistas a dar sentido às informações que estão disponíveis, como fazem os construtivistas, é bem diferente de acreditar que o educando permanece passivo introjetando as informações que lhe são oferecidas e da maneira como são oferecidas, de acordo com concepções empiristas.
O professor que questiona a eficácia do uso de cartilhas, do método tradicional, dos materiais excessivamente estruturantes utilizados, frequentemente, percebe que é preciso fazer mudanças. Nesse momento é fundamental estar atento para compreender que o construtivismo constitui uma teoria muito complexa, que possibilita saber quais passos a criança, em sua interação com a escrita, dá numa direção que lhe permite descobrir que escrever é registrar sons e não coisas. Depois que passa pela fase silábica, vai perceber o som do fonema, até o momento em que se tornará alfabética. Nesse momento, a criança deverá apropriar-se do sistema alfabético e do sistema ortográfico da escrita, que são sistemas constituídos de regras convencionais, as quais ela tem de aprender. E isso não ocorre de maneira espontaneísta; melhor ainda, a intervenção do professor é determinante neste processo: ele tem que definir e propor atividades; acompanhar o desempenho de cada aluno, encorajando-o, explicando, interpretando a sua escrita, auxiliando-o a perceber onde está o erro, auxiliando-o a avançar. Cabe-lhe observar a ação dos alunos, acolher ou problematizar suas produções, intervir a cada momento que julgar que pode colaborar para o avanço da sua reflexão sobre a escrita, pois realmente o alfabetizando tem que passar por um processo sistemático e progressivo de aprendizagem desse sistema, evoluindo com a ação compromissada e coerente do professor.






Com finalidade didática, procuramos registrar lado a lado aspectos significativos de cada uma destas concepções de alfabetização:
TRADICIONAL, com silabário. CONSTRUTIVISTA, com textos
- Valoriza o produto final do ato de ler e escrever. - Entende alfabetização como compreensão do modo de construir conhecimento.
- A concepção de ensino e aprendizagem pressupõe que a alfabetização é um processo cumulativo: agregam-se conhecimentos, passando pouco a pouco do simples (letras e sílabas) ao complexo (palavras e texto). - A concepção de ensino e aprendizagem pressupõe que a alfabetização é um processo de construção conceitual, apoiado na reflexão sobre as características e funcionamento da escrita: pouco a pouco o educando compreende as regularidades que caracterizam a escrita.
- Exercícios repetitivos de coordenação motora, discriminação visual e auditiva, localização espaço-temporal, etc. - Entende alfabetização como compreensão dos meios que a criança utiliza para representar a construção do seu conhecimento sobre a língua escrita.
-O modelo de ensino apóia-se na capacidade do sujeito de associar estímulos e respostas, repetindo, memorizando e fixando na memória; a escrita é algo a ser decifrado. -O modelo de ensino apóia-se na capacidade do sujeito refletir, inferir, estabelecer relações, processar e compreender informações transformando-as em conhecimento próprio.
A criança compreende a função social da escrita.
- Parte-se da crença de que seja fácil para o educando aprender primeiro, havendo falsa suposição sobre o que é fácil e difícil de aprender. - Parte-se do que os alunos pensam e sabem sobre a escrita, e isto possibilita que a aprendizagem seja significativa
- A criança é copista, não conseguindo construir um texto elaborado, e sim com frases soltas, repetitivas. - O aluno elabora o texto de acordo com sua visão de mundo, de forma criativa, expondo suas idéias.
- Tudo vem pronto para ser copiado. São utilizados textos artificiais para ensinar a ler e a escrever. - Os textos são desenvolvidos pelos alunos, conforme sua linha de raciocínio. São textos reais , considerados como o local onde se aprende a ler e escrever, bem como se reflete sobre as regularidades da escrita.
-A informação deve ser oferecida da forma mais simples possível, uma de cada vez, para não confundir aquele que aprende. - o aprendiz é um sujeito, protagonista do seu próprio processo de aprendizagem.


É fundamental que o alfabetizador conheça cada uma dessas vias para identificar as respectivas conseqüências, pois cada concepção orienta práticas pedagógicas diferentes, sendo diferentes, também, os resultados alcançados. Ao adotar a metodologia de alfabetização, definirá também suas atitudes e posturas em sala de aula, bem como os materiais que utilizará, priorizando as competências e habilidades a serem construídas pelos alunos.
Embasado pelo conhecimento da teoria, o professor atuará de forma coerente quanto à compreensão dos processos de ensino-aprendizagem, à concepção de língua escrita por parte de cada um de seus alunos, bem como a escolha crítica do material a ser utilizado em sala de aula, correlacionando-o à realidade dos alunos, num esforço para orientar sistemática e progressivamente sua apropriação do sistema de escrita.
Para tanto, é essencial o planejamento e a organização do trabalho em torno da alfabetização, a fim de promover situações motivadoras e a partir delas realizar uma intervenção adequada. Sua decisão depende de sua visão de homem, de mundo, de educação.
Assim, decidir se vai ou não utilizar a escrita socialmente, permitindo ao aluno construir seu próprio conhecimento; que tipo de criança quer formar: mais criativa, questionadora, com melhor entendimento de expressão escrita e leitura, ou que simplesmente reproduza os fonemas e grafemas ensinados?
Que a aprendizagem da escrita ocorra de modo dinâmico, interessante, com crianças engajadas na construção do próprio conhecimento, orientadas por um professor que lhes facilita a ação de conhecer o mundo, ou ocorra de modo mecânico, sistemático e previamente determinado pela cartilha?
BIBLIOGRAFIA
BRASIL, Parâmetros Curriculares nacionais. Mec/SEF, 1997.
BRASIL, Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, Vol. 3. Mec/SEF, 1998.
FERREIRO, Emília e TEBEROSKY,Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre. Artes Médicas, 1998.
SMITH, Frank. Leitura Significativa. Porto Alegre. Artes Médicas. 1999.
SOARES, Magda. A reinvenção da alfabetização. Arigo.
WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo. Ática, 1999.+

Dez importantes questões a considerar

PROFALE
Programa de Formação: Alfabetização e Letramento



Dez importantes questões a considerar...
Texto organizado por Rosaura Soligo




Variáveis que interferem nos resultados do trabalho pedagógico

Neste texto, recuperamos as principais questões didáticas que foram tratadas no Módulo 1 – algumas de forma mais explícita, tematizadas nos textos e nos programas de vídeo, outras apenas anunciadas. A proposta agora é sistematizar essas questões, para favorecer seu estudo e sua utilização em atividades propostas nas Unidades do Módulo 2.
Como sabemos, o desafio de organizar a prática pedagógica na alfabetização a partir do modelo metodológico da resolução de problemas se expressa, principalmente, no planejamento de situações de ensino e aprendizagem ao mesmo tempo difíceis e possíveis, ou seja, em atividades e intervenções pedagógicas adequadas às necessidades e possibilidades de aprendizagem dos alunos. Uma prática desse tipo pressupõe uma preocupação do professor em:
• favorecer a construção da autonomia intelectual dos alunos;
• considerar a diversidade na sala de aula e atendê-la;
• favorecer a interação e a cooperação;
• analisar o percurso de aprendizagem e o conhecimento prévio dos alunos;
• mobilizar a disponibilidade para a aprendizagem;
• articular objetivos de ensino e objetivos de realização dos alunos;
• criar situações que aproximem, o mais possível, a “versão escolar” e a “versão social” das práticas e dos conhecimentos que se convertem em conteúdos na escola;
• organizar racionalmente o tempo;
• organizar o espaço em função das propostas de ensino e aprendizagem;
• selecionar materiais adequados ao desenvolvimento do trabalho;
• avaliar os resultados obtidos, e redirecionar as propostas se eles não forem satisfatórios.
Para desenvolver um trabalho pedagógico orientado por esses propósitos, é preciso que o professor se torne cada vez mais capaz de:
• analisar a realidade, que é o contexto da própria atuação;
• planejar a ação a partir da realidade à qual se destina;
• antecipar possibilidades que permitam planejar intervenções com antecedência;
• identificar e caracterizar problemas (obstáculos, dificuldades, distorções, inadequações...);
• priorizar o que é relevante para a solução dos problemas identificados e ter autonomia para tomar as medidas que ajudam a solucioná-los;
• buscar recursos e fontes de informação que se mostrem necessários;
• compreender a natureza das diferenças entre os alunos;
• estar aberto e disponível para a aprendizagem;
• trabalhar em colaboração com os pares;
• refletir sobre a própria prática;
• utilizar a leitura e a escrita em favor do desenvolvimento pessoal e profissional


O que garante os resultados

A observação da realidade, e algumas pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem vêm indicando que há um conjunto de variáveis que interferem nos resultados (positivos ou negativos) do trabalho pedagógico. As principais são as seguintes:
1. A concepção de ensino e aprendizagem do professor e o nível de conhecimento
profissional de que ele dispõe.
2. A crença do aluno na sua própria capacidade de aprender e o reconhecimento e a valorização dos seus próprios saberes.
3. O contexto escolar em que as situações de ensino e aprendizagem acontecem.
4. O contrato didático que rege as situações de ensino e aprendizagem.
5. A relação professor-aluno.
6. O planejamento prévio do trabalho pedagógico.
7. As condições de realização das atividades propostas.
8. A intervenção do professor durante as atividades.
9. A gestão da sala de aula.
10. A relação da família com a aprendizagem dos alunos e com a proposta pedagógica.
A seguir, discutiremos cada uma dessas questões, analisando-as especificamente sob o ponto de vista da alfabetização.

1. A concepção de ensino e aprendizagem do professor e seu nível de conhecimento profissional
“Por muitos anos se acreditou que o fundamental para alfabetizar os alunos era o treino da memória, da coordenação motora, da discriminação visual e auditiva e da noção de lateralidade. O que se pôde ver, nas últimas duas décadas, a partir das pesquisas sobre como se aprende a ler e escrever, é que a alfabetização é um processo de construção de hipóteses sobre o funcionamento e as regras de geração do sistema alfabético de escrita; que esse não é um conteúdo simples, mas, ao contrário, extremamente complexo, que demanda procedimentos de análise também complexos por parte de quem aprende; que, como já se pôde constatar desde então, por trás da mão que escreve e do olho que vê, existe um ser humano que pensa e, por isso, se.alfabetiza.
“Hoje sabemos que, no processo de alfabetização, crianças e adultos – independente da classe social e até mesmo da proposta de ensino – formulam estranhas hipóteses, muito curiosas e muito lógicas. Progridem de idéias bastante primitivas, pautadas no desconhecimento da relação entre fala e escrita, para idéias geniais sobre como seria essa relação, tão logo compreendem que fala e escrita se relacionam: alguns – crianças e adultos – com atenção quase exclusiva em quantas letras, outros em quais letras, outros conflituados com a coordenação entre quantas e quais letras se utiliza para escrever. Depois de uma árdua trajetória de reflexão sobre essas questões, finalmente é possível compreender qual a natureza da relação entre fala e escrita, é possível desvendar o mistério que o funcionamento da escrita representa para todos os analfabetos. Nesse momento, crianças e adultos conquistaram a escrita alfabética, alfabetizaram-se, no sentido estrito da palavra.
“Pois bem, tanto a pesquisa acadêmica quanto a observação dos professores que ensinam crianças e adultos a ler e escrever vêm comprovando que a estratégia necessária para um indivíduo se alfabetizar não é a memorização, mas a reflexão sobre a escrita. Essa constatação, legitimada cientificamente, pôs em xeque uma das crenças mais antigas, nas quais a escola apóia suas práticas de ensino, o que desencadeou uma verdadeira revolução conceitual, uma mudança de paradigma. É esse o momento pelo qual estamos passando, com as vantagens e os prejuízos que caracterizam um momento de transição, de transformação de idéias e práticas cristalizadas ao longo de muitos anos.
“Mas, se não é por um processo de memorização, como então é isso de aprender a ler e escrever refletindo sobre a escrita?
“Em primeiro lugar, é preciso considerar que há conteúdos escolares que se aprende, sim, por memorização. Tudo que não requer construção conceitual, por ser de simples assimilação, se aprende memorizando: nomes em geral (das letras, por exemplo), informações e instruções simples (como “em português, escrevemos da esquerda para a direita”), respostas a adivinhações, números de telefone, endereços etc.
“Mas o grande equívoco, no qual a concepção tradicional de ensino e aprendizagem esteve apoiada por muito tempo, é considerar que todos os conteúdos escolares, de um modo geral, são aprendidos por memorização. Não são, hoje sabemos.
“Para aprender a ser solidário, a trabalhar em grupo, a respeitar o outro, a preservar o meio ambiente, é preciso vivenciar situações exemplares em que esses conteúdos representam valores. Não adianta memorizar a informação de que é preciso ser solidário, respeitar os outros, cuidar da natureza... isso não basta para aprender o valor e a necessidade dessas atitudes.
“Para aprender a interpretar textos, redigir textos, refletir sobre eles, refletir sobre a escrita convencional, não basta memorizar definições e seqüências de passos a serem desenvolvidos. É preciso exercitar essas atividades com freqüência, para poder realizá-las com habilidade, com desenvoltura. Procedimentos – quaisquer procedimentos – são aprendidos pelo uso.
“E para aprender conceitos e princípios complexos, como é o caso da escrita alfabética – ou seja, para se alfabetizar– não basta memorizar infinitas famílias silábicas, como se pensava: isso significaria tratar um conteúdo caracterizado por um elevado grau de complexidade como uma informação simples que poderia ser assimilada com facilidade, apenas por memorização.Para compreender as regras de geração de nosso sistema de escrita é preciso um processo sistemático de reflexão sobre suas características e sobre seu funcionamento. Quer dizer, para se alfabetizar, o indivíduo tem de aprender a refletir sobre a escrita (um procedimento complexo que, para ser desenvolvido, depende de exercitação freqüente) e tem de compreender o funcionamento do sistema alfabético de escrita (um conteúdo conceitual complexo, que para ser aprendido requer a construção de interpretações sucessivas, que se superam umas às outras).
A crença do professor a respeito de como os alunos aprendem influencia decisivamente suas formas de ensinar – corresponde ao que chamamos concepção de ensino e aprendizagem. Além disso, também seu conhecimento profissional tem grande influência nos resultados do trabalho pedagógico que desenvolve.
Entre todos os tipos de saber que integram o conhecimento profissional do professor, há três mais determinantes dos resultados do trabalho pedagógico: o conhecimento dos processos de aprendizagem dos alunos, dos conteúdos a serem ensinados, e das formas de ensinar para garantir de fato a aprendizagem. Ou seja, no caso da alfabetização, conhecendo como os indivíduos aprendem a ler e escrever e conhecendo as características dos conteúdos de Língua Portuguesa que têm lugar na alfabetização, será ainda preciso dominar os procedimentos didáticos que permitem uma adequada mediação entre o sujeito que aprende e o que é objeto de seu conhecimento. Do contrário não se poderá planejar intencionalmente uma prática pedagógica que se pretenda eficaz para promover a aprendizagem de todos os alunos.

2. A crença do aluno na sua própria capacidade de aprender e o reconhecimento e a valorização dos seus próprios saberes
“O desenvolvimento de diferentes capacidades – cognitivas, afetivas, físicas, éticas, estéticas, de inserção social e de relação interpessoal – se torna possível por meio do processo de construção de conhecimentos, o que depende de condições de aprendizagem de natureza subjetiva e objetiva. A aprendizagem depende, em grande medida, de como o processo educativo se organiza em suas diferentes dimensões, ou seja, de condições mais objetivas. As propostas pedagógicas devem sempre resultar do ‘cruzamento’ dos objetivos de ensino definidos e das possibilidades de aprendizagem dos alunos. Mas as condições mais subjetivas têm enorme influência nesse processo: o conhecimento prévio do aluno, a crença na própria capacidade, a disponibilidade e a curiosidade para aprender, a valorização dos saberes que possui e o sentimento de pertinência ao grupo de colegas são alguns dos fatores que explicam por que, a partir de um mesmo ensino, há sempre lugar para a construção de diferentes aprendizagens.”
Acreditar na própria capacidade é decisivo não só para a aprendizagem escolar, mas também para o desenvolvimento pessoal como um todo. Especialmente quando a proposta pedagógica tem como eixo metodológico a resolução de problemas, considerar-se capaz de assumir os riscos de experimentar situações desafiadoras (possíveis, porém difíceis) é prérequisito para a aventura do conhecimento.
O sentimento de incapacidade em geral traz consigo outros tantos que comprometem as possibilidades de aprender: falta de respeito por si mesmo, baixa autoestima, e nenhuma autoconfiança. Isso faz com que as pessoas fujam dos desafios e que, quando são obrigadas a enfrentá-los, tenham certeza de que não vão conseguir fazer o que é preciso.
Sabemos o quanto é difícil fazer com que os alunos adultos e os multirrepetentes se arrisquem, porque eles geralmente se acham “burros” – afinal, não conseguiram aprender o que deveriam no tempo certo. Todo professor que já trabalhou com alunos assim sabe que o primeiro passo, nesse caso, é criar condições para elevar sua auto-estima, e para que reconheçam e valorizem os saberes que possuem, localizando exatamente o que lhes falta. É muito freqüente ouvir desses alunos coisas como “Eu não sei nada”. Quando isso ocorre, é preciso criar um contexto que contribua decisivamente para superarem esses sentimentos
e atitudes, que muitas vezes inviabilizam completamente a aprendizagem – um contexto de afeto real, de colaboração, de solidariedade, de expressão e reconhecimento dos talentos pessoais, de respeito aos saberes de cada um, de aceitação do direito de errar sem ser punido... Os sucessos na aprendizagem escolar, o reconhecimento dos colegas e as novas amizades podem ter um enorme “poder de cura” nesse caso.

3. O contexto escolar em que as situações de ensino e aprendizagem acontecem
A aprendizagem não é resultado apenas de ações pedagógicas especialmente planejadas: a partir do momento que nasce, o ser humano começa a aprender – tanto o que lhe é ensinado de forma intencional quanto o que pode aprender pelo simples fato de estar vivo –, ao conviver com outras pessoas em ambientes sociais diversificados. Muitas das coisas que sabemos não nos foram ensinadas formalmente.
Quando temos consciência desse fenômeno, nos empenhamos em cuidar do contexto escolar em que as situações de ensino e aprendizagem acontecem. Não podemos formar leitores, por exemplo, se não houver livros e atos significativos de leitura e escrita na sala de aula. Não podemos formar escritores, se convidarmos os alunos a escrever seus próprios textos apenas ocasionalmente, e somente depois que estiverem alfabetizados. Não podemos seduzir nossos alunos a escrever da forma que sabem, se corrigirmos o tempo todo tudo o que escrevem. Não ensinaremos nossos alunos a trabalhar em grupo, se essa meta não for expressa em atos cotidianos na sala de aula. Não faremos nossos alunos respeitarem os colegas que têm mais dificuldades se não expressarmos, como professores, nosso próprio respeito por eles.
Às vezes, o contexto da sala de aula ensina até mais do que aquilo que planejamos intencionalmente. E o contexto da escola, para além da sala de aula, também ensina.
Em parte é por essa razão que se defende a importância de a escola definir coletivamente seu projeto educativo: tudo aquilo que não é o processo formal de ensino e aprendizagem que transcorre na sala de aula também educa. O jeito de as pessoas se relacionarem, as atitudes dos adultos para com as crianças, a relação estabelecida com as famílias e com a comunidade, o funcionamento geral da escola, a dinâmica do intervalo de recreio, o esquema de uso da quadra ou do pátio interno, o tipo de sanção que se utiliza, as priorizações que se faz... tudo isso, a despeito de nossa intenção, representa situações de ensino e aprendizagem.
Não basta, portanto, cuidar apenas do planejamento pedagógico; é preciso cuidar do contexto em que ele se realiza. Não basta cuidar apenas de nosso discurso; é preciso cuidar dos nossos atos e das nossas atitudes na escola.

4. O contrato didático que rege as situações de ensino e aprendizagem
De acordo com os Referenciais para a Formação de Professores, “contrato didático são as regras próprias da escola que regulam, entre outras coisas, as relações que alunos e professores mantêm com o conhecimento e com as atividades escolares, estabelecem direitos e deveres em relação às situações de ensino e de aprendizagem, e modelam os papéis dos diferentes atores do processo educativo e suas relações interpessoais. Representa o conjunto de condutas específicas que os alunos esperam dos professores e que estes esperam dos alunos, e que regulam o funcionamento da aula e as relações professor-aluno-conhecimento. Como toda instituição, a escola organiza-se segundo regras de convívio e de funcionamento que vão se constituindo ao longo do tempo, determinadas por sua função social e pela cultura institucional predominante.”
Essas regras e expectativas que determinam os papéis a serem desempenhados na escola estabelecem direitos e deveres em relação também às situações de ensino e aprendizagem dos conteúdos escolares, que ocorrem na sala de aula – criam contratos implícitos que, normalmente, se tornam observáveis apenas quando são transgredidos. O imaginário social está povoado de representações (crenças e expectativas, na verdade) mais ou menos cristalizadas sobre esses diferentes papéis e sobre os elementos que compõem a instituição escolar e suas práticas. Quando a proposta pedagógica subverte o funcionamento convencional da escola ou da sala de aula, a consciência do professor sobre essas questões é muito importante para a reflexão sobre sua prática e para a compreensão de acontecimentos que, às vezes, são aparentemente incompreensíveis.
Um exemplo: historicamente, a responsabilidade pela correção dos textos escolares sempre foi do professor. Se tivermos como objetivo didático que os próprios alunos tomem para si a responsabilidade de analisar criticamente seus textos e, conseqüentemente, corrigi-los, tanto nosso próprio papel (de professor) como o dos alunos está sendo subvertido. Eles passam a assumir parte da responsabilidade que era exclusivamente nossa, e nós assumimos uma nova responsabilidade, diferente da de realizar a correção – agora teremos de ensinar os alunos a desenvolver atitude crítica e procedimentos de análise das inadequações diante de seus próprios textos; e precisaremos fazer um tipo de correção diferente da que fazíamos até então. Esse novo objetivo cria novas necessidades para a prática; e exige mudanças em um contrato didático antigo em relação à correção de textos produzidos. Se compreendemos as implicações disso, fica mais fácil entender, por exemplo, as eventuais resistências dos alunos em realizar o árduo trabalho de revisão do que produzem.
Outros aspectos permeados por representações cristalizadas pela tradição pedagógica – em relação aos papéis e às responsabilidades das “partes envolvidas” – são a avaliação e a disciplina: muitas das dificuldades e mal-entendidos vivenciados nas escolas que procuram inovar suas práticas se localizam justamente aí. A inexistência de um contrato claro – e compartilhado por todos – a respeito das concepções de base, das formas de transposição dessas concepções para a prática e dos papéis que devem desempenhar os atores do processo educativo favorece a projeção de diferentes representações dos envolvidos nas relações que têm lugar na escola e, dessa forma, acabam sendo inevitáveis os mal-entendidos e freqüentes conflitos. Essas são situações – avaliação e uso da liberdade/autoridade no espaço público da escola – em que o contrato não pode ser ambíguo e pouco explícito, para não provocar interpretações distorcidas que, ainda assim, certamente acontecerão.
Vejamos outras situações em que as representações pessoais interferem
consideravelmente nas relações educativas. Em uma escola orientada pela concepção construtivista, e por um modelo de ensino por resolução de problemas, o aluno deve realizar as atividades propostas como consegue; pode errar; deve justificar o procedimento utilizado, em vez de apenas dar respostas esperadas; pode interagir com seus pares; não deve ter medo do professor; pode circular pelo espaço; deve expressar suas opiniões; pode contestar… normas incomuns na educação tradicional. Isso, no entanto, não significa que não deva se esforçar para dar o melhor de si, que o erro tenha o mesmo valor do acerto, que não precise se comprometer com os melhores resultados, que possa conversar a todo momento com quem tiver vontade e circular pelo espaço a seu bel-prazer, que possa tratar o professor “de igual para igual”, impor sua vontade a qualquer preço e ser mal-educado… Uma escola em que tais atitudes apareçam como a tônica do cotidiano mostra que o contrato não foi definido adequadamente, que as normas, as regras, as responsabilidades, as obrigações recíprocas e os papéis não estão claros para ninguém, principalmente para os educadores. Isso significa que, por falta de acordos negociados a priori, os acontecimentos e as situações escolares estão sendo interpretados de acordo com perspectivas e expectativas pessoais; significa que, por falta de um contrato explícito, há lugar para a projeção de representações pessoais a respeito das normas, das regras, das responsabilidades, das obrigações recíprocas e dos papéis que cabem a cada um.
Quando isso ocorre, é preciso uma razoável capacidade de análise e de distanciamento por parte dos educadores para que se possa identificar quais são de fato os problemas, pois não se pode encontrar soluções para problemas que não forem identificados adequadamente. Quando se toma o efeito pela causa, por exemplo, sabemos que não há resolução possível...
Para um professor sair da condição de “apresentador de aulas” e conquistar, por um lado, um nível de profissionalismo condizente com as demandas que estão hoje colocadas, e por outro, o status de educador, ele precisará desenvolver sua capacidade de análise crítica. Isso implica exercício de outras duas capacidades: a de refletir sobre a própria prática e a de “colocar-se no lugar do outro” – especialmente do aluno – buscando, tanto quanto possível, analisar as coisas a partir também da sua perspectiva.
Por que isto está acontecendo? Por que os alunos agem dessa maneira? Qual o efeito das minhas propostas e das minhas atitudes na conduta dos alunos? Qual a melhor solução para essa questão? Será que o que estou propondo é, de fato, relevante? Estou tendo distanciamento para avaliar essa situação?... Se tiverem um espaço de discussão coletiva, os professores movidos por esse tipo de inquietação, pela busca de respostas a perguntas desse tipo, pelo compromisso com a qualidade de suas práticas, certamente encontrarão boas soluções para as dificuldades que enfrentam no dia-a-dia. É por essa razão que tem sido consensual a defesa de espaços coletivos de discussão do trabalho pedagógico e a ênfase na reflexão sobre a ação (especialmente por meio da escrita) como exercício fundamental na profissão de professor.
A transformação das práticas de ensino depende, em grande medida, da modificação do contrato que rege as relações envolvidas nessas práticas. E isso é algo que depende da tomada de consciência da natureza e dos efeitos desse contrato e da discussão coletiva dos educadores (entre si, com os pais e com os alunos) sobre as necessárias revisões no contrato didático convencional, para atender às novas necessidades colocadas por outros propósitos educativos. É preciso desvendar o contrato que rege as relações que têm lugar na escola e estabelecer quais são as modificações desejáveis e factíveis, analisando suas prováveis conseqüências. E compartilhar, com todos, as novas bases nas quais se assentam os direitos e deveres atuais dos atores do processo educativo.

5. A relação professor-aluno
“Para compreender a fundo a relação professor-aluno, a interferência de expectativas, representações e crenças do professor sobre a aprendizagem de crianças, jovens e adultos, vale ressaltar algumas particularidades a respeito das relações interpessoais. Num contexto – como a escola – onde os papéis são definidos a partir da função social da instituição, as relações entre as pessoas são também reguladas pelo ‘contrato’ que rege o funcionamento institucional. Alunos e professores regulam uns aos outros o tempo todo e, querendo-se ou não, uma relação de poder é instaurada entre eles.
“Como possui uma autoridade que emana da condição de adulto e da condição de quem educa, o professor exerce sobre os alunos uma influência que extrapola o âmbito da relação pessoal informal. Um professor que acredita, por exemplo, que um determinado aluno não é capaz de aprender por uma ou outra razão, por mais que não queira demonstrar, agirá
com ele como se não pudesse de fato aprender. E isso revelará ao aluno que seu professor não crê em sua capacidade – e dificilmente essa percepção do julgamento do adulto responsável pelo ensino na escola não terá uma influência negativa em seu autoconceito e em sua
aprendizagem. E o contrário também ocorre: acreditando firmemente que o aluno pode aprender e que pode ensiná-lo, o professor acaba por agir com ele de forma a ajudá-lo a tornar-se mais capaz.
“A compreensão da natureza da relação que se estabelece com os alunos é uma conquista da maior importância, que pode levar o professor a desenvolver sensibilidade e capacidade de analisar a própria conduta, identificar quando ela incide na dos alunos, assim como quando as atitudes dos alunos são determinantes da sua.

6. O planejamento prévio do trabalho pedagógico
A adequada escolha dos textos e das atividades de leitura e escrita
Defender a importância do trabalho pedagógico com a diversidade textual na alfabetização não significa considerar que os alunos possam realizar todo tipo de atividade com qualquer tipo de texto.
É preciso ter critérios de seleção, considerando, por exemplo: a complexidade do texto, o nível de dificuldade da atividade em relação ao texto escolhido, a familiaridade dos alunos com o tipo de texto, a adequação do conteúdo à faixa etária e a adequação dos textos selecionados e da proposta de atividade às necessidades de aprendizagem dos alunos.
Os textos mais adequados para o trabalho pedagógico de alfabetização – isto é, aqueles que favorecem a reflexão dos alunos não-alfabetizados sobre as características e o funcionamento da escrita – são os que oferecem a eles situações possíveis de leitura e escrita.
Sem dúvida, essas situações serão difíceis para esses alunos, uma vez que ainda não estão alfabetizados, mas precisam representar um desafio possível: evidentemente, um indivíduo que não sabe ainda ler e escrever só pode ser solicitado a fazer isso se a tarefa proposta estiver – ainda que parcialmente – dentro de suas possibilidades, se ele achar que pode tentar e conseguir... Como se sabe, as atividades de leitura e escrita serão desafiadoras se forem ao mesmo tempo difíceis e possíveis.

Atividades de leitura: para isso são adequados os textos em que os alunos podem utilizar estratégias de leitura que não se restrinjam à decodificação – o fato de não estarem ainda alfabetizados significa justamente que ainda não sabem decodificar inteiramente a escrita. Essas estratégias (de seleção, antecipação, inferência e verificação) são utilizadas em situações em que eles têm informações parciais sobre o conteúdo do texto e podem utilizar tudo que sabem para descobrir o que está escrito. Por exemplo, sabem que se trata de uma lista de títulos de histórias lidas pelo professor para a classe, e devem encontrar onde está escrito cada título. Ou sabem que o texto é uma receita, e devem descobrir quais são os ingredientes. Ou que é uma história em quadrinhos com personagens conhecidos, e devem achar os nomes de alguns deles. Ou que são as instruções de um jogo que conhecem bem, e devem encontrar uma ou outra...
Para esse tipo de atividade, são adequados os seguintes textos: listas (de animais, frutas, cores, brinquedos, títulos, nomes etc), receitas, histórias em quadrinhos curtas, regras de jogos conhecidos, bilhetes curtos em que se tenha uma informação geral sobre o conteúdo...
Há também situações em que é possível realizar atividades de leitura sem estar alfabetizado, até mesmo quando não se conhece o valor sonoro convencional das letras, quando não se pode contar com a ajuda que esse conhecimento oferece nas atividades em que a proposta é “ler sem ainda saber ler”. É o caso de textos que os alunos sabem de cor (não a escrita deles, mas o conteúdo), em que a tarefa é descobrir o que está escrito em cada parte, tendo apenas a informação do que trata o texto (por exemplo: “Esta é a música Pirulito que bate-bate”), onde começa e onde termina. São os poemas, quadrinhas, parlendas, adivinhas, cantigas de roda, canções populares, diálogos canônicos de contos clássicos, desde que sejam conhecidos (como, por exemplo, “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?” ou “– Que olhos tão grandes você tem, vovó! / – São para te ver melhor! Que orelhas tão grandes você tem, vovó! / – São para te ouvir melhor!”, entre outros). A tarefa de ler esses textos obriga os alunos a ajustar o que sabem que está escrito com a escrita, pondo em uso tudo que sabem a respeito. A seu favor eles têm a disposição gráfica do texto em versos, o que permite que se orientem para descobrir “onde está escrito o quê”. Em qualquer tipo de situação, o aluno deve pôr em uso todo o conhecimento que possui sobre a escrita e receber informações parciais sobre o conteúdo que tornem a atividade proposta um desafio compatível com suas possibilidades.
No caso da alfabetização de adultos, evidentemente os textos oferecidos para leitura devem ser pertinentes à faixa etária e aos interesses do grupo: músicas de seu repertório no lugar de cantigas de roda, provérbios e “frases de caminhão” no lugar de parlendas infantis, e assim por diante.

Atividades de escrita: se considerarmos que os alunos não-alfabetizados podem escrever de acordo com suas próprias hipóteses, isso significa que supostamente poderiam escrever qualquer tipo de texto, desde que não seja esperado que o façam convencionalmente. De qualquer forma, não é apropriado, por exemplo, solicitar a escrita de um texto longo que vá oferecer grandes dificuldades, sendo que não se obterá como resultado uma escrita convencional. São mais adequados trechos de histórias conhecidas, bilhetes, cartas curtas, regras de jogo, além dos demais textos indicados acima, para as atividades de leitura.
A prática pedagógica tem demonstrado que, quando se pretende trabalhar com a diversidade textual nas classes de alfabetização, nas situações em que se lê para os alunos praticamente todo gênero é adequado, desde que o conteúdo possa interessar, pois o professor atua como mediador entre eles e o texto. Mas se o texto se destinar à leitura pelos próprios alunos é preciso considerar suas reais possibilidades de realizar a tarefa, para que o desafio não seja muito difícil. Se a situação for de produção oral do texto, há que se considerar que, em princípio, os alunos não-alfabetizados podem produzir quaisquer gêneros, desde que tenham bastante familiaridade com eles, seja por meio da leitura feita pelo professor ou por outros leitores. E quando se trata de produzir textos por escrito, isto é, de escrever textos de próprio punho, as possibilidades se restringem, pois a tarefa requer a coordenação de vários procedimentos complexos relacionados tanto com o planejamento do que se pretende expressar quanto com a própria escrita.
É preciso, portanto, saber o que se pode propor aos alunos em cada caso: quando o professor lê para eles, quando eles próprios é que têm de ler, quando produzem os textos sem precisar escrever e quando precisam escrever eles próprios.
Além disso, é importante considerar que há uma série de variações que se pode fazer nas atividades de uso da língua que permitem contar com diferentes propostas a partir de situações muito parecidas, que se alteram apenas em um ou outro aspecto. Essas variações podem ser de:
• material (lápis, caneta...), instrumento (à mão, à máquina, no computador...) e suporte (em papel comum ou especial, na lousa, com letras móveis...);
• tipo de atividade: escutar, ler, escrever, recitar, ditar, copiar etc.;
• unidade lingüística (palavra, frase, texto);
• tipo (gênero) de texto;
• modalidade (oralmente ou por escrito);
• tipo de registro ou de instrumento utilizado (com ou sem gravador, com ou sem vídeo, ou por escrito);
• conteúdo temático (sobre o quê);
• estratégia didática (com ou sem preparação prévia, com ou sem ajuda do professor, com ou sem consulta...);
• duração (mais curta, mais longa...) e freqüência (pela primeira vez, freqüentemente...);
• tamanho e tipo de letra;
• circunstância, destino e objetivo (quem, onde, quando, de que modo, a quem, para que... etc.);
• tipo de agrupamento (individual, em dupla, em grupos maiores);
• com ou sem algum tipo de restrição explícita (sem erros, com pontuação, com letra bonita, com separação entre palavras etc.)”
“Uma atividade se transforma em outra se, por exemplo, de individual passa a ser em dupla ou realizada com toda a classe – e vice-versa. O mesmo ocorre se for feita com ajuda ou sem ajuda, com ou sem consulta, com ou sem rascunho, de uma só vez ou em duas ou mais vezes, no caderno ou em papel especial, para ser exposto num mural, com letras móveis, com cartões, na lousa, no computador ou escrito a lápis...
Quando se acredita que a alfabetização é um processo que se desenvolve a partir da análise e da reflexão que o aluno faz sobre a língua, não há muito o que ‘inventar’ em relação às situações de ensino e aprendizagem. As atividades específicas de reflexão sobre o sistema de escrita, como já se discutiu em vários momentos, devem basicamente se constituir em contextos de uso dos conhecimentos que os alunos possuem, de análise das regularidades da escrita, de comparação de suas hipóteses com a dos colegas e com a escrita convencional, de resposta a desafios, de resolução de problemas...

Escolha da forma de organização dos conteúdos
Além da seleção dos conteúdos a serem trabalhados e do tipo de atividade específica que será proposto, há ainda outra importante decisão pedagógica, relacionada ao tratamento dos conteúdos: a depender dos objetivos que se tem, eles podem ser trabalhados na forma de “atividades permanentes, atividades seqüenciadas, atividades de sistematização, atividades independentes ou projetos”.

Atividades permanentes são as que acontecem ao longo de um determinado período de tempo, porque são importantes para o desenvolvimento de procedimentos, de hábitos ou de atitudes. É o caso de atividades como: leitura diária feita pelo professor; roda semanal de leitura; oficina de produção de textos; hora das notícias; discussão semanal dos conhecimentos adquiridos etc.

Atividades seqüenciadas são as planejadas em uma seqüência encadeada: o que vem a seguir depende do que já foi realizado (e aprendido) anteriormente. Por exemplo: atividades para alfabetizar, para ensinar a produzir textos de um determinado gênero, para ensinar ortografia ou o uso de certos recursos gramaticais etc.

As atividades de sistematização, embora não decorram de propósitos imediatos, têm relação direta com os objetivos didáticos e com os conteúdos: são atividades que se destinam à sistematização dos conteúdos já trabalhados.

As atividades independentes são aquelas que não foram planejadas a priori, mas que fazem sentido num dado momento. Por exemplo: “em algumas oportunidades, o professor encontra um texto que considera valioso e compartilha com os alunos, ainda que pertença a um gênero ou trate de um assunto que não se relaciona às atividades previstas para o período. E, em outras ocasiões, os próprios alunos propõem a leitura de um artigo de jornal, um poema, um conto que os tenha impressionado e que o professor também considera interessante ler para todos. Nesses casos, não teria sentido nem renunciar à leitura dos textos em questão, pelo fato de não ter relação com o que se está fazendo no momento, nem inventar uma relação inexistente”.

Os projetos são situações didáticas em que o professor e os alunos se comprometem com um propósito e com um produto final: em um projeto, as ações propostas ao longo do tempo têm relação entre si e fazem sentido em função do produto que se deseja alcançar. É o caso de atividades como jogral, dramatização, apresentação pública de leitura, produção de livro, de jornal, de texto informativo e outras similares”. “Uma proposta pedagógica que privilegia o trabalho com projetos, se justifica por princípios que se expressam em necessidades de natureza didática: a compreensão do aluno enquanto sujeito da própria aprendizagem; a elaboração junto com os alunos de propostas a serem implementadas na classe; a construção de algumas certezas compartilhadas e a discussão de muitas incertezas (o que permite maior compreensão da natureza de um empreendimento coletivo e melhor relacionamento entre o grupo); a contextualização das propostas de ensino, considerando que a aquisição de conhecimento é sempre mediada pelo modo de aprender dos alunos e pelo modo de ensinar dos professores; a máxima aproximação entre “versão escolar” e “versão social” do conhecimento, o que requer o planejamento de situações escolares à semelhança das práticas sociais (com o cuidado de não produzir simplificações ou distorções nos conhecimentos a serem trabalhado); o fato de a ação educativa ter que responder ao mesmo tempo a objetivos de ensino e objetivos de realização do aluno – nem sempre coincidentes”.
Entretanto, a defesa dos projetos como modalidade privilegiada de organização dos conteúdos escolares não significa que tudo possa ser abordado por meio de projetos. É tarefa do professor identificar qual a melhor forma de abordar o que deve ensinar aos alunos: há conteúdos que não demandam um tratamento por meio de projetos, há conteúdos que não têm uma contextualização possível, há conteúdos que precisam ser sistematizados, e outros não, há conteúdos que são recorrentes em toda a escolaridade, e outros circunstanciais... O fundamental é saber que os conteúdos escolares são ensinados para que os alunos desenvolvam diferentes capacidades (ou seja, estão a serviço dos objetivos do ensino): a forma de abordálos deve ser aquela que melhor atende ao propósito de desenvolver essas capacidades.
A difusão e a defesa de propostas de ensino apoiadas em projetos de trabalho acabaram
por criar no Brasil, nos últimos anos, uma concepção equivocada de que todas as situações de
ensino e aprendizagem que têm lugar na sala de aula deveriam ser relacionadas, de alguma
forma, com projetos em curso na série. Freqüentemente, observamos formadores e
professores demonstrando grande preocupação com questões do seguinte tipo: “Em que
projetos essas atividades estariam contextualizadas?”, “Essas atividades não seriam ‘soltas’
demais?”, e assim por diante.
Ou seja, a preocupação metodológica de contextualizar as propostas de ensino e
aprendizagem em projetos assumiu uma importância maior do que o atendimento dos objetivos
que expressam as capacidades que se pretende que os alunos desenvolvam. Por exemplo: se
o objetivo é que os alunos escrevam de forma adequada sob todos os aspectos, depois que
14 In “Por trás do que se faz”, Cadernos da TV Escola – Língua Portuguesa, vol. 1. Brasília, MEC/SEED, 1999. E também:Parâmetros em Ação – Alfabetização , cit.
15 Os objetivos de ensino representam capacidades que se pretende que os alunos desenvolvam e os objetivos do aluno relacionam-se a necessidades pessoais, quase sempre de realização imediata. Por exemplo, quando o professor lê diferentes (e bons) textos para os alunos todos os dias, certamente pretende que eles tenham contato com a diversidade textual, que se familiarizem com a linguagem, que se interessem pela leitura em função do que se pode “ganhar” através dela, que compreendam algumas características dos diferentes gêneros... Para o aluno, os objetivos já são de outra natureza: ele com certeza busca emoções provocadas pelo conteúdo dos textos (se forem literários) ou novos conhecimentos (se forem informativos)
estiverem alfabetizados será necessário ensinar conteúdos ortográficos (como a tematização
de regras que permitam compreender as razões do uso de mp, mb, rr, r, ss, s etc.). Se as
atividades propostas nos projetos de escrita, que demandam revisão dos textos produzidos
pelos alunos, não forem suficientes para garantir progressivamente a compreensão dessas
normas ortográficas, será necessário realizar atividades de sistematização que por certo não
estarão vinculadas a um projeto específico.
Da mesma forma, algumas atividades de reflexão sobre a escrita para aprender a ler e
escrever não têm lugar em projeto algum: são necessárias porque atendem a determinados
objetivos em relação à alfabetização dos alunos. Não há problema pedagógico algum no fato
de serem eventualmente “descontextualizadas” dos projetos da série. É o caso das atividades
permanentes de leitura e escrita que devem estar garantidas na rotina diária do professor:
quando os alunos ainda não estão alfabetizados – e acreditamos que é por meio de atividades
de reflexão sobre a escrita que eles vão avançar em seus conhecimentos, e sabemos que a
reflexão é um procedimento que para ser aprendido precisa ser exercitado com freqüência –
garantiremos atividades de alfabetização pautadas na reflexão sobre a escrita todos os dias,
independente de estarem ou não contextualizadas em um ou outro projeto da série.
A lógica curricular que nos parece mais adequada é a seguinte: objetivos definem
conteúdos e estes definem o tratamento metodológico que será dado aos conteúdos, para
garantir da melhor forma possível a conquista dos objetivos. Não faz sentido que a opção
metodológica seja anterior à definição dos objetivos (as capacidades que se pretende
desenvolver) e dos conteúdos (o que ensinar para tanto).
Planejamento de uma rotina de trabalho pedagógico 16
A rotina do trabalho pedagógico concretiza, na sala de aula, as intenções educativas
que se revelam na forma como são organizados o tempo, o espaço, os materiais, as propostas
e intervenções do professor. Por essa razão, a rotina que estabelecemos para a classe é também
uma situação de ensino e aprendizagem, a despeito de não ser necessariamente planejada
como tal.
Se, por exemplo, a leitura é realizada apenas uma vez ou outra, na semana de trabalho,
e a escrita é uma atividade freqüente, o que estamos ensinando para os alunos –
involuntariamente – é que a escrita é mais importante do que a leitura. Se o trabalho com as
áreas de História, Geografia e Ciências ocorre apenas nas semanas que antecedem a avaliação
bimestral, estamos ensinando é que os conteúdos dessas áreas servem apenas para estudar às
vésperas da prova. Se todos os dias há atividades de ditado e cópia, estamos ensinando que é
por meio do ditado e da cópia que se aprende a escrever. E assim por diante... Nossas
concepções inevitavelmente se expressam na priorização das atividades propostas na sala de
aula, na forma como agimos durante as atividades e no uso que fazemos do tempo.
16 Este texto é uma adaptação do original, “Rotina”, de autoria de Rosa Maria Antunes de Barros e Rosana Dutoit.
M2UET6 15
Para organizar uma rotina semanal do trabalho pedagógico, é fundamental definir
previamente: todas as áreas a serem trabalhadas, a freqüência com que serão trabalhadas (por
exemplo: Língua Portuguesa todos os dias, com duração de 90 minutos etc.); a melhor forma
de tratar didaticamente os conteúdos (projetos, atividades permanentes, atividades
seqüenciadas...); os textos e os tipos de atividade a serem propostos durante a semana (tanto
na sala de aula como em casa), e a respectiva freqüência.
Só então será possível distribuir tudo isso no tempo disponível durante uma semana de
trabalho, estabelecendo as devidas prioridades. A forma de organizar a rotina semanal que
tem se mostrado mais prática é por meio de uma tabela de dupla entrada com espaço para
indicar todas as propostas planejadas para cada dia da semana.17
Organização da classe em função dos objetivos da atividade e das
possibilidades de aprendizagem dos alunos
“Como bem sabemos, a diversidade é inevitável na sala de aula: teremos sempre
alunos com níveis de compreensão e conhecimento diferentes e, por isso, é preciso
conhecer, analisar e acompanhar o que eles produzem, para adequar as propostas,
considerando os ritmos e as possibilidades de aprendizagem, cuidando para que ‘a música
não vibre alto demais’, ou que sequer seja ouvida por eles” (M1U5T4). Nesse sentido, o
desafio é conhecer o que eles pensam e sabem sobre o que se pretende ensinar (o que
indica suas reais possibilidades de realizar as tarefas), para poder lançar problemas
adequados às suas necessidades de aprendizagem.
Considerando que, inevitavelmente, as classes são sempre heterogêneas, há três tipos
de organização do trabalho pedagógico, para situações de atividade tanto individual como em
parceria: momentos em que todos os alunos realizam a mesma proposta; momentos em que,
diante de uma mesma proposta ou material, realizam tarefas diferentes; e momentos de
propostas diversificadas, em que os grupos têm tarefas diferentes em função do que estão
precisando no momento.
A opção por organizar ou não os alunos em duplas, grupos de três ou de quatro, em
um único grupo que reúne toda a classe, ou individualmente, depende especialmente dos
objetivos da proposta e do grau de familiaridade dos alunos com ela. Se o tipo de proposta
não é familiar, possivelmente será preciso que o professor realize uma (ou mais vezes) a
atividade com todo o grupo de alunos, dando as necessárias explicações e ensinando os
procedimentos. Depois, quando a proposta for de que os alunos realizem a tarefa por si
mesmos, em grupo ou individualmente, será preciso que o professor funcione como parceiro
experiente, dando grande assistência a todos (porque estão aprendendo a trabalhar com uma
proposta nova). E, por fim, depois que se apropriaram do tipo de proposta e dos respectivos
procedimentos, os alunos certamente precisarão de menos auxílio do professor.
17 Para entender melhor como isso pode ser feito, ver o texto “Planejar é preciso”, in Cadernos da TV Escola – Língua Portuguesa,
vol. 1, cit. E também em Parâmetros em Ação – Alfabetização , cit
Vejamos um exemplo: se é a primeira vez que propomos uma atividade de leitura aos
alunos não-alfabetizados, provavelmente eles vão dizer que não sabem, ou não podem fazer,
porque não sabem ler. Será necessário, então, que façamos na lousa com eles, problematizando
alguns aspectos que lhes permitam usar seus conhecimentos e se conscientizar de que
conseguiram “ler sem saber ler”, mostrando que se trata de um desafio possível, sugerindo
possibilidades, oferecendo algumas pistas e coisa que o valha.
Se, por um lado, esse tipo de situação requer o grupo todo atento à intervenção do
professor, as situações de avaliação da competência pessoal dos alunos exigem atividades
individuais. Em caso contrário, como o professor poderá identificar o que cada um de seus
alunos sabe, se estavam trabalhando com outros colegas?
No caso das atividades cotidianas, entretanto, a prática tem mostrado que o trabalho
em colaboração é muito mais produtivo para a aprendizagem dos alunos: especialmente as
duplas (mas também os trios e grupos de quatro) têm se revelado uma boa opção, se os
critérios de agrupamento forem adequados. Esse tipo de agrupamento favorece que os alunos
socializem seus conhecimentos, permitindo-lhes confrontar e compartilhar suas hipóteses,
trocar informações, aprender diferentes procedimentos, defrontar-se com problemas sobre
os quais não haviam pensado... Entretanto, como sabemos, o fato de estarem sentados juntos
não garantirá que trabalhem coletivamente. É preciso criar mecanismos que os ajudem a
aprender esse importante procedimento, que é o trabalho em colaboração de fato: por
exemplo, em algumas situações, pode-se oferecer uma única folha para a realização da tarefa;
em outras, definir claramente qual o papel de cada aluno na dupla ou no grupo, e assim por
diante. Em qualquer caso, até aprenderem a trabalhar juntos, terão de contar com muita ajuda
do professor.
Quando a opção for por trabalho em parceria, para organizar os agrupamentos é preciso
considerar os objetivos da atividade proposta, o conhecimento que os alunos possuem e a
natureza da atividade. “As interações, os agrupamentos, devem ser pensados tanto do ponto
de vista do que se pode aprender durante a atividade como do ponto de vista das questões
que cada aluno pode ‘levar’ para pensar. Um outro fator importante a considerar, além do
conhecimento que os alunos possuem, são suas características pessoais: seus traços de
personalidade, por um lado, e a disposição de realizar atividades em parceria com um
determinado colega, por outro. Às vezes, a tomar pelo nível de conhecimento, a dupla poderia
ser perfeita, mas o estilo pessoal de cada um dos alunos indica que é melhor não juntá-los,
pois o trabalho tenderia a ser improdutivo.” (M1U5T4)

Definição do tipo de ajuda pedagógica que será oferecida aos alunos e dos grupos específicos que serão acompanhados mais de perto
Além de contribuir com a aprendizagem ao selecionar conteúdos pertinentes, planejar
atividades adequadas e formar agrupamentos produtivos, o professor também tem um
papel fundamental durante a realização da atividade – ao circular pela classe e colocar
perguntas que ajudam os alunos a pensar, problematizar as respostas dadas por eles, pedir
que um ou outro leia algo aos demais, apresentar informações úteis e, sempre que for
apropriado, socializar as respostas, questionar e discutir como foram encontradas. Para
funcionar assim, como um parceiro que ajuda a aprender, precisa estar atento aos
procedimentos utilizados pelos alunos para realizar as tarefas propostas e aos
conhecimentos que revelam enquanto trabalham.
O professor sabe que é impossível acompanhar de perto todos os alunos a cada dia: é
preciso distribuir esse tipo de acompanhamento ao longo das semanas. Tendo isso em conta,
será muito útil para ele a manutenção de um instrumento de registro no qual coloque a data,
o nome dos alunos que foram observados mais criteriosamente naquele dia, o tipo de questões
colocadas/reveladas por eles etc. Ou seja, uma espécie de “mapa”, que facilita a documentação
das informações em relação à aprendizagem e ao desempenho dos alunos, além de permitir o
planejamento da intervenção junto a todos.
“Sabemos que o professor é um informante privilegiado na sala de aula, mas não é o
único: se as atividades e os agrupamentos forem bem planejados, os alunos também
aprenderão muito uns com os outros, mesmo que o professor não consiga intervir
diariamente com cada um. Por outro lado, vale lembrar que a possibilidade de circular pela
classe fazendo intervenções é facilitada pelo trabalho em grupo – quando se tem uma classe
numerosa, com todos trabalhando individualmente, é muito mais difícil intervir com cada
um e, ao mesmo tempo, ‘controlar’ a classe. Se o professor tem, por exemplo, 36 alunos
divididos em 18 duplas que já sabem trabalhar em parceria, será preciso ‘controlar’ 18
agrupamentos que tendem a funcionar bem, e não 36 alunos que o tempo todo requisitam
apenas o professor. De mais a mais, com 18 duplas, é perfeitamente possível intervir com
todas a cada uma ou duas semanas, no máximo – o que significa acompanhar mais de perto
cerca de três agrupamentos por dia.” (M1U7T3)
Mas às vezes se faz necessário, além disso, montar um esquema de apoio pedagógico
mais sistemático e intensivo com os alunos cujo desempenho está se distanciando da média da
classe. É o que chamamos de “apoio pedagógico”.18
Em qualquer experiência educativa, os alunos se desenvolvem de forma e em ritmos
distintos entre si. A função principal da avaliação é justamente identificar as ajudas específicas
que cada um necessita ao longo de seu processo de aprendizagem. Há aqueles que, dependendo
da dificuldade que apresentam e/ou da natureza do conteúdo ensinado, precisam apenas de
uma explicação dada de outra forma, ou de um pouco mais de empenho, ou de maior
exercitação em atividades suplementares. Mas há alunos que requerem uma intervenção
pedagógica complementar – seja pelo tipo de dificuldade apresentada, pela natureza do
conteúdo, ou pelas duas razões.
De modo geral, a resposta encontrada para essa questão nas escolas públicas é a
recuperação final (do semestre ou do ano letivo) ou, no caso de muitas escolas privadas, a
solicitação de acompanhamento por um professor particular. Entretanto, é papel da própria
18 Para conhecer alguns exemplos concretos, ver “Depoimento da professora Rosa Maria” e “Depoimento da professora
Marly” ( M2U1T5).
escola oferecer acompanhamento permanente aos alunos com desempenho insatisfatório, pois
a recuperação final não garante uma intervenção pedagógica mais específica ao longo do
processo de ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, há duas propostas que consideramos mais adequadas: o apoio pedagógico
permanente na sala de aula (que muitos educadores chamam de “recuperação paralela”) e o
grupo de apoio pedagógico extra-classe.19 Nos dois casos, o trabalho só faz sentido se for
planejado em função das dificuldades apresentadas pelos alunos.
O apoio pedagógico permanente é dado dentro do horário escolar, em algumas aulas
semanais (geralmente de abril a novembro), sempre que possível pelo professor titular da
classe em parceria com outro colega. O professor também pode fazer isso sozinho – vai dar
um pouco mais de trabalho, mas não é algo muito difícil.
O grupo de apoio pedagógico extra-classe pode acontecer mais ou menos na mesma
época, fora do período de aulas, direcionado para os alunos em relação aos quais o professor
identificar a necessidade de acompanhamento mais sistemático, além do realizado na própria
classe, durante as aulas. O grupo deve ser formado por poucos alunos e ter a proposta de
trabalho especialmente planejada pelo professor da classe, ou por quem for coordenar o grupo
(se não for o próprio professor), e pelo profissional responsável pela coordenação pedagógica
da escola. A periodicidade, a carga horária e os conteúdos a serem trabalhados se definem em
função das demandas.
Esse tipo de trabalho tem se mostrado fundamental por várias razões, das quais
destacamos duas:
• Representa uma possibilidade privilegiada do professor investigar as causas das
dificuldades dos alunos, pelo fato de atender a um grupo reduzido, o que favorece o
planejamento de intervenções didáticas que incidam nas causas (e não nos efeitos) dos
problemas apresentados.
• Configura um espaço de investigação psicopedagógica: além de seu valor em si mesmo,
o trabalho de apoio pedagógico funciona como uma espécie de “laboratório”, cujo
resultado pode contribuir para a aprendizagem de todos os alunos. Se o professor
levar à discussão com seus pares e com a coordenação pedagógica o que observar,
investigar e concluir a respeito dos motivos de certas dificuldades, isso favorecerá o
planejamento de intervenções adequadas que, por sua vez, poderão ser adotadas em
classe, com os demais alunos.
No entanto, esse tipo de trabalho requer um contrato didático muito claro, para que os alunos
(e mesmo os pais) entendam com clareza seus reais objetivos: assim será possível evitar que
se considere que é uma proposta para “reforçar alunos fracos”, como acontece em algumas
escolas.
19 No livro O diálogo entre o ensino e a aprendizagem , de Telma Weisz (São Paulo, Ática, pp. 75 e 99), há dois depoimentos de
professoras que relatam como organizaram esse tipo de trabalho em suas escolas. Esses mesmos depoimentos estão transcritos
no Módulo “Alfabetizar com textos” (pp. 77-85) de Parâmetros em Ação – Alfabetização (cit.).

Antecipação das eventuais dificuldades dos alunos decorrentes do grau
de familiaridade com a proposta
O conhecimento do conceito de contrato didático e a possibilidade de analisar as
questões implicadas na relação professor-aluno-conhecimento são condições que nos permitem
antecipar dificuldades e, conseqüentemente, planejar intervenções pedagógicas adequadas.
A familiaridade com a proposta de atividade é um aspecto sobre o qual precisamos
refletir com muita seriedade. Vejamos por quê.
Tudo que propomos aos alunos pela primeira vez, ou apenas esporadicamente, pode
“não dar certo”. Se não tivermos essa clareza, jamais introduziremos inovações na prática
pedagógica; o “novo” requer um tempo de adaptação (que nem sempre ocorre de forma
tranqüila e harmoniosa), além de persistência, paciência e firmeza de nossa parte para fazer os
alunos se familiarizarem com o que está sendo proposto, em uma renegociação do contrato
didático até então existente.
Quando sempre se trabalhou com os alunos separados, em carteiras individuais, e se
pretende desenvolver atividades com agrupamentos, certamente eles precisarão algumas
semanas para se habituar à nova forma de organização da classe. Quando nunca se propôs que
os alunos escrevam textos (principalmente se ainda não estão alfabetizados), e isso passa a
acontecer na sala de aula, eles provavelmente vão ter dificuldade para se adaptar à “novidade”.
Quando muitos alunos da classe estão acostumados a fazer ditado e cópia diariamente, tenderão
a reivindicar que essas atividades sejam realizadas com freqüência e resistirão às propostas
em que precisem pensar muito, explicitar os procedimentos utilizados, ouvir os colegas e
levar em conta seus pontos de vista para realizar uma tarefa comum. E assim por diante.
Por serem humanos, tanto os professores quanto os alunos tendem a resistir ou desconfiar
do novo, em um primeiro momento... O habitual é mais confortável que o desconhecido, e a
familiaridade é uma relação construída em um processo muitas vezes demorado. Essa visão de
processo pode nos ajudar a compreender por que as coisas nem sempre saem conforme o planejado,
e a saber como proceder para introduzir propostas com as quais os alunos não estão familiarizados.
A definição da consigna
Temos chamado de consigna20 à forma de fazer uma determinada proposta aos alunos.
Alguns educadores preferem chamar esse tipo de enunciado de “comanda”, ou mesmo de
enunciado. O nome, na verdade, não importa: trata-se de uma instrução geralmente
acompanhada de algumas orientações relacionadas à execução de uma dada tarefa, feita
oralmente, por escrito, ou das duas formas.
Muitas vezes, o resultado inadequado de uma proposta é fruto de uma consigna malfeita
ou confusa, principalmente quando os alunos não têm muita familiaridade com o que está
sendo solicitado.
20 Esse termo foi “importado” do espanhol, idioma em que é usado exatamente com o mesmo significado.
Vejamos como exemplo uma consigna feita oralmente:
“Vocês devem reescrever, em duplas, a história ‘Os três porquinhos’, um ajudando o outro,
procurando fazer tudo da melhor maneira possível.”
Uma orientação aparentemente clara e precisa como essa pode ter um resultado
totalmente inesperado. A idéia de um ajudar o outro e fazer tudo da melhor maneira possível
pode ser entendida como “para ficar um bom trabalho, quem sabe mais deve ajudar quem
sabe menos” – e, se for assim, o aluno considerado menos sabido pode ficar com uma
participação totalmente passiva durante a atividade.
Muitas das provas externas21 aplicadas nas salas de aula desconsideram essa variável:
não basta os alunos terem familiaridade com as propostas em si; é preciso que também
conheçam o tipo de enunciado que explica o que é para ser feito. Quando temos consciência
das variáveis que interferem nos resultados das propostas apresentadas aos alunos, fica mais
fácil compreender o que pode estar por trás desses resultados.
A certeza de que aquele que ouve ou lê pode não compreender exatamente o que foi
dito, oralmente ou por escrito, deve ter como conseqüência uma atenção maior de nossa parte,
bem como a consciência de que podemos ser mal interpretados mesmo que julguemos dar uma
orientação totalmente clara – afinal, a compreensão da consigna é a compreensão não só do que
deve ser feito, mas também de algumas intenções implícitas do professor... Circular pela classe,
observando como os alunos realizam as tarefas propostas é uma forma de verificar se as
orientações foram bem compreendidas e, quando não, corrigir a falha em tempo.
7. As condições de realização das atividades propostas
Conforme já foi discutido em vários momentos neste curso, e de acordo com as
concepções que orientam nossa proposta de alfabetização, uma atividade é considerada uma
boa situação de aprendizagem quando:
• os alunos precisam pôr em jogo tudo o que sabem e pensam sobre o conteúdo em
torno do qual o professor organizou a tarefa;
• os alunos têm problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se propõem
a produzir;
• o conteúdo trabalhado mantém suas características de objeto sociocultural real – por isso,
no caso da alfabetização, a proposta é o uso de textos, e não de sílabas ou palavras soltas;
• a organização da tarefa garante a máxima circulação de informações possível entre os alunos
– por isso as situações propostas devem prever o intercâmbio e a interação entre eles.
Sabemos que nem sempre é possível garantir todas essas condições ao mesmo tempo,
mas é importante procurar assegurá-las.
21 O que chamamos de “provas externas” são as atividades de avaliação realizadas por outros profissionais que não o próprio
professor da classe – o coordenador pedagógico da escola, um outro professor, ou uma instituição que realize avaliação de
desempenho no sistema de ensino.

8. A intervenção pedagógica do professor durante as atividades
Embora muitos especialistas e educadores defendam que a intervenção pedagógica
não é apenas o que o professor faz durante as atividades, enquanto os alunos trabalham – mas
também as decisões que toma antes e depois, em função do seu conhecimento sobre o que
eles sabem e de suas observações sobre como procedem ao realizar as tarefas – trataremos a
seguir especificamente da intervenção pedagógica do professor durante as atividades, o que
inclui a consigna e as orientações gerais relacionadas à realização da tarefa proposta.
Algumas dessas orientações gerais implicam:
• informar os alunos sobre o que se pretende com a atividade, levando-os a perceber
que estão fazendo algo que responde a um certo tipo de objetivo, e/ou de necessidade;
• preparar os alunos antes de toda e qualquer mudança ou novidade que for ocorrer em
relação a: uso do tempo, organização do espaço, forma de agrupamento, utilização
dos materiais, propostas de atividade e demais aspectos que interferem nos resultados
do trabalho pedagógico;
• apresentar as atividades de maneira a incentivar os alunos a darem o melhor de si
mesmos e a acreditarem que sua contribuição é relevante para todos;
• criar um ambiente favorável à aprendizagem e ao desenvolvimento de autoconceito
positivo e de confiança na própria capacidade de enfrentar desafios (por meio de
situações em que eles, por exemplo, são incentivados a se colocar, a fazer perguntas,
a comentar o que aprenderam etc.).
Se, por um lado, esse tipo de contexto geral de ensino e aprendizagem é necessário,
por outro, não garante nem substitui a intervenção direta do professor enquanto os alunos
trabalham. Esse é um momento privilegiado não só para avaliar a adequação das propostas à
medida que elas se concretizam, na ação dos alunos, como para fazer colocações que respondem
a suas necessidades de aprendizagem – é quando podemos oferecer informações, problematizar
respostas ou procedimentos, orientar a ação etc. Nos programas de vídeo utilizados neste
curso há inúmeras situações em que se pode observar e analisar como os professores procedem
durante a realização das atividades.
É importante considerar que a problematização é um dos mais relevantes tipos de
intervenção, do ponto de vista pedagógico. Nesse tipo de situação, a atitude do professor é
fundamental por três razões principais. Em primeiro lugar: se queremos que os alunos
expressem seus procedimentos, opiniões e idéias, precisamos saber lidar com eles,
especialmente quando estão equivocados. Não é possível pretender que façam as atividades
da maneira que sabem e, ao mesmo tempo, corrigi-los sempre que erram; se isso ocorrer,
com certeza deixarão de produzir, ou farão apenas aquilo de que tiverem certeza, para não
passarem pelo desconforto de ter seu erro apontado.
Em segundo lugar, é preciso saber dosar o nível de desafio. Se acreditamos que
desafiador é aquilo que é difícil e possível ao mesmo tempo, temos que saber “o quanto o
aluno agüenta” ser questionado; para tanto, é imprescindível identificar – e/ou inferir – os
conhecimentos prévios que ele possui sobre o conteúdo trabalhado.
Em terceiro, não se deve perder de vista que a problematização é um procedimento
que rompe com o contrato didático clássico, de uma proposta tradicional, no qual a regra é o
professor perguntar para avaliar o que os alunos sabem, e não para ajudá-los a pensar. Se isso
não estiver claro para os alunos, é possível que não compreendam as razões das perguntas, e
que lidem mal com esse tipo de situação.
A intervenção direta do professor durante as atividades, evidentemente, é condição
para que os alunos avancem em seus conhecimentos. Entretanto, também a atividade proposta
deve ser, em si, portadora de desafios; deve colocar um problema real de forma que, para
tentar solucioná-lo, os alunos mobilizem tudo que já sabem sobre aquele conteúdo. Sendo
assim, não basta que a atividade seja interessante: ela precisa favorecer a construção e a
utilização de conhecimentos. Quanto mais a atividade estiver adequada às necessidades de
aprendizagem, e quanto mais criteriosamente planejados forem os agrupamentos, maiores
serão as possibilidades de os alunos evoluírem em seu processo de alfabetização, mesmo se
não puderem contar a todo instante com a intervenção direta do professor.
9. A gestão da sala de aula
A gestão da sala de aula envolve inúmeros aspectos, mas aqui trataremos apenas daqueles
relacionados ao gerenciamento do tempo e à apresentação de propostas alternativas, em função
do planejamento pedagógico e do ritmo de realização das atividades pelos alunos. “Pilotar”
adequadamente uma sala de aula exige muito conhecimento, talento e capacidade de improvisar
de forma inteligente, pois a atuação de professor se apóia em competências relacionadas
principalmente à resolução de situações-problema. Como se pode observar, várias
competências profissionais do professor, indicadas no início deste texto, se relacionam direta
ou indiretamente à gestão da sala de aula.
Vejamos uma situação típica. O que fazer com os alunos que terminam as atividades
rapidamente? O que fazer com os que nunca terminam? Como orquestrar essas diferenças de ritmo?
A incapacidade de lidar com essas situações pode criar na classe um tal nível de
desorganização que leve o professor a sonhar com uma homogeneidade - que jamais conseguirá
- no ritmo de realização das tarefas. Nesse caso, há dois pontos a considerar: um é que a
organização de uma rotina de trabalho já deve responder ao menos parcialmente às questões;
e o outro é que o professor precisa criar um tipo de funcionamento para a aula de maneira a
dar, ao mesmo tempo, espaço e resposta para as diferenças de ritmo. Alguns exemplos:
• Organizar atividades alternativas para os alunos mais rápidos e deixá-las em folhas
separadas sobre a mesa, em uma ordem conhecida por todos – assim, à medida que
forem terminando as tarefas, poderão apanhar as folhas, na seqüência. Para que esse
tipo de proposta seja eficaz, o contrato didático que estabelece essa organização da
aula deve estar claro para todos; as atividades devem ser familiares e interessantes,
não soando como simples “passatempo”, e os alunos precisam poder realizá-las
individualmente e com autonomia.
• Utilizar parte do quadro-negro (ou o quadro alternativo que existe em muitas salas de
aula) para indicar as atividades que os alunos mais rápidos devem realizar assim que
terminarem a tarefa. Isso pode ser feito por escrito, quando eles já sabem ler, ou
utilizando o recurso do desenho, quando ainda não sabem – por exemplo, o desenho
de um livro ou de um gibi indicará que devem apanhar um desses materiais para “ler”.
Considerando essas duas alternativas para os alunos mais rápidos, há que se pensar
também no que fazer com os mais lentos. O professor precisa ter claro o que é possível
negociar com esses alunos, em função de suas características pessoais e das razões pelas quais
retardaram a execução da tarefa: se podem parar o que estão fazendo e iniciar outra atividade,
ou é indispensável que terminem o começado; se é o caso de o próprio professor escrever o
que falta (por exemplo, no caso de uma cópia da agenda do dia, ou da proposta de lição de
casa); se vale a pena insistir para que terminem, por terem atrasado devido a conversas fora
de hora ou simples dispersão.
É importante ressaltar, entretanto, que é a capacidade do professor de observar os
alunos durante as atividades e, a partir daí, prever o que pode ocorrer, que lhe permitirá
organizar uma rotina levando em conta os diferentes ritmos e criar propostas alternativas que
atendam às necessidades dos mais rápidos e dos mais lentos. Com o tempo, é possível antecipar
de maneira muito precisa quanto tempo uma atividade vai demandar deste ou daquele aluno
e, conseqüentemente, quais propostas precisarão estar “guardadas no bolso do colete”. É a
observação atenta que permite o monitoramento do uso do tempo pelos alunos enquanto
eles trabalham, e a criação de soluções alternativas imediatas.
10. A relação da família com a aprendizagem dos alunos e com a
proposta pedagógica
A educação é um espaço de intersecção da família e da escola, com influências recíprocas.
Por exemplo: se a família considerar a criança “burra”, dificilmente ela se achará capaz de
aprender na escola. E se o professor a julgar pouco capaz, dificilmente os pais acreditarão em
sua possibilidade de aprender facilmente (o que pode até se confirmar na prática, independente
da real capacidade da criança).
O que trataremos neste item, no entanto, é apenas a relação da família com a
aprendizagem dos alunos e com a proposta pedagógica.
As pessoas geralmente tendem a avaliar o que vivem e observam a partir de suas
experiências anteriores. Assim, os pais de alunos têm como referência sua própria experiência
escolar (se a tiveram), ou suas representações sobre o que deveria ser (quando nunca
estudaram). Por isso operam, habitualmente, com as idéias predominantes na sociedade: “escola
é lugar de aprender – quem não aprende tem algum problema”; “o professor sabe muito bem
o que está fazendo”; “a necessidade de disciplina justifica ‘certos excessos’ nas escolas”; “escola
forte é aquela que reprova muito”; “esse negócio de ciclo prejudica os alunos, porque eles
perdem a motivação para aprender”; “escola é lugar de escrever muito no caderno e falar
pouco”; e assim por diante.
Não só por essa razão, mas também porque a família tem direito a isso, é preciso
estabelecer um diálogo permanente sobre a proposta pedagógica desenvolvida, as expectativas
em relação à aprendizagem dos alunos e os papéis que cabem à escola e à família,
respectivamente.
Evidentemente, esses papéis devem ser ajustados às condições reais: não faz sentido
solicitar que pais analfabetos ajudem seus filhos na escrita das lições de casa, mas é perfeitamente
possível quando se trata de famílias de classe média. Mas isso não significa que nada se possa
exigir das famílias mais pobres, ou analfabetas. Pais analfabetos podem, por exemplo, contar
aos filhos histórias de sua infância, ou “causos”, ditar uma lista de compras, cantar cantigas
para a criança registrar no papel, ensinar a fazer contas “de cabeça”, se souberem. Por outro
lado, não será possível pedir com freqüência esse tipo de apoio a pais que trabalham fora o dia
inteiro e só chegam em casa à noite, quando as crianças já estão dormindo.
A escola não tem o direito de modificar, total ou parcialmente, uma proposta pedagógica
que as famílias conhecem sem discussão prévia. Mesmo que os pais não se importem muito
com o desempenho dos filhos, precisam estar a par do que se faz na escola. Em caso contrário
podem inclusive, com o tempo, funcionar como elemento de resistência no processo de
transformação do trabalho pedagógico: se não entendem as “novidades” que acontecem na
escola, talvez façam comentários inadequados com outros pais e com as próprias crianças.
As reuniões de pais – e também, sempre que possível, as conversas particulares entre
o professor e a família – representam uma ótima oportunidade de estabelecer um diálogo
sobre o ensino e a aprendizagem dos alunos. Nesse caso, além de explicar os objetivos das
propostas feitas na sala de aula, é preciso deixar claro o quanto os alunos estão aprendendo,
mostrar seus trabalhos, comparar suas produções em diferentes momentos, procurando
“tornar observável” o que geralmente pode passar despercebido ou ser mal compreendido.
Têm se mostrado muito eficazes as mostras de trabalhos dos alunos, especialmente
quando organizadas como evento para a comunidade, ou para a cidade. Também nesse caso,
é necessário criar dispositivos que permitam “tornar observável” o que geralmente pode passar
despercebido ou ser mal compreendido: apresentar descrições em cartazes, explicações do
professor ou dos alunos em painéis e outros recursos que contribuam nesse sentido.
O que já discutimos a respeito do papel das expectativas da relação professor-alunoconhecimento
e da familiaridade com as propostas feitas aos alunos sobre os resultados do
trabalho pedagógico serve como referência para analisar também a forma de os pais se
relacionarem com o ensino e a aprendizagem de seus filhos.
Quanto mais a família e a escola estiverem afinadas a respeito do que deve ser o processo
educativo, mais os alunos tendem a ganhar em aprendizagem, pois se cria uma
complementaridade entre o que ocorre em casa e na sala de aula. Cabe à escola criar tais
condições: se formos esperar uma ação espontânea das famílias nessa direção, é provável que
não ocorra.

Por que nem sempre conseguimos ensinar a todos?
Há aproximadamente dez anos, o Dr Saul Cypel, neurologista e professor da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, estudioso das dificuldades de aprendizagem escolar,
fez a seguinte afirmação em um seminário em São Paulo:22
“Recentemente, o Instituto Nacional de Psiquiatria Infantil da Venezuela publicou relatório
sobre atendimentos no ano de 1984, mostrando que cerca de 30% das crianças que
procuravam aquele serviço traziam como queixa a dificuldade escolar; e estudo detalhado
desse grupo mostrou que mais de metade se apresentava dentro de processo normal de
desenvolvimento; outras crianças mostravam alterações diversas de comportamento, e
somente 2% tinham dificuldades na leitura. Essas cifras correspondiam às observadas em
nosso grupo de trabalho, e vêm sendo confirmadas também em outros locais, como na
Inglaterra. Estamos saindo dos números aberrantes onde as dificuldades de aprendizagem
aconteciam em até 30% dos escolares, para números mais corretos, entre 1 a 3%.”
Essa afirmação é emblemática da posição assumida por muitos estudiosos das dificuldades
de aprendizagem que, após o contato com as pesquisas de Emilia Ferreiro e seus colaboradores,
puderam compreender o que acontecia com as crianças que eram consideradas portadoras dessas
dificuldades. A opinião desses especialistas trouxe uma enorme contribuição para os educadores,
especialmente para os alfabetizadores, uma vez que desmitificou algumas das causas do fracasso
escolar. Se considerarmos a hipótese de que 3% dos alunos podem ter de fato um comprometimento
real no aprendizado de leitura e escrita (o máximo que os especialistas hoje admitem como aceitável),
isso corresponderia a 1 aluno, em média, em uma classe de 35 – sendo que a média de 1 aluno
tanto pode significar que existam dois quanto que não haja nenhum (o que é muito diferente de
acreditar que 30% têm dificuldade para aprender!). Isso, evidentemente, não quer dizer que todos
os alunos aprendem no mesmo ritmo e com a rapidez que desejamos: há aqueles que de fato
demoram mais, por diferentes razões. Mas o importante é saber que a demora, em certas
aprendizagens, é apenas uma questão de tempo, e não de impossibilidade.
Por essa razão, cada vez mais os educadores vêm procurando nas suas propostas de
ensino as razões da ineficácia da aprendizagem. Quando as atividades “não dão certo”,
geralmente o problema está relacionado a uma das dez variáveis abordadas neste texto, e não
à falta de capacidade dos alunos. Esse redirecionamento do olhar dos educadores tem uma
grande importância política, pois revela a seriedade de uma atitude profissional: a
responsabilidade pelos resultados do próprio trabalho.
Em uma categoria como o magistério, que luta a duras penas pela profissionalização, essa
atitude é uma grande conquista. Significa que os professores começam a se sentir responsáveis
não só pelo sucesso, mas também pelo fracasso na aprendizagem dos seus alunos, tal como se
espera que os médicos se sintam responsáveis pelo fracasso na cura de seus doentes; os
engenheiros, pelo fracasso nas construções e máquinas que projetam; os advogados, pelo fracasso
na defesa de seus clientes; os publicitários, pelo fracasso das campanhas que inventaram...
22 In Caderno Idéias , Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE). São Paulo, Secretaria Estadual da Educação.

Referências bibliográficas
BROUSSEAU, Guy. “Os diferentes papéis do professor”, in Cecília Parra & Irma Saiz (org.).
Didática da Matemática – Reflexões pedagógicas. Porto Alegre, Artmed, 1996.
CHARNAY, Roland. “Aprendendo com a resolução de problemas”, in Cecília Parra & Irma Saiz
(org.). Didática da Matemática – Reflexões pedagógicas. Porto Alegre, Artmed, 1996.
LERNER, Délia. El conocimiento didáctico como eje del proceso de capacitación. Buenos Aires,
Argentina: mimeo, 1996.
———. Capacitação em serviço e mudança da proposta didática vigente. Texto apresentado no
projeto “Renovação de práticas pedagógicas na formação de leitores e escritores”. Bogotá,
Colômbia, outubro de 1993.
———. El lugar del conocimiento didáctico en la formación del maestro. Texto apresentado no
Primeiro Seminário Internacional “Quem é o professor do terceiro milênio?”. Bahia, agosto
de 1995.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais – Língua Portuguesa (1ª a 4ª série). Brasília/DF, 1997.
———. Referenciais para a Formação de Professores. Brasília/DF, 1998.
———. Parâmetros em Ação – Alfabetização. Brasília/DF, 1999.
PERRENOUD, Philippe. Avaliação – da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas
lógicas. Porto Alegre, Artmed, 1999.
———. Pedagogia diferenciada – das intenções à ação. Porto Alegre, Artmed, 2000.
———. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre, Artmed, 2000.
SOLÉ, Isabel. “Disponibilidade para aprender e sentido da aprendizagem”, in O construtivismo
na sala de aula. São Paulo, Ática, 1996.
TEBEROSKY, Ana. Aprendendo a escrever. São Paulo, Ática, 1994.
ZABALA, Antoni. A prática educativa – como ensinar. Porto Alegre, Artmed, 1998.